11 setembro, 2005

A VOZ DO PASTOR, DOM DADEUS GRINGS



tempo nos é dado por Deus como uma tarefa de crescimento no amor. Não recebemos a vida pronta. Nem a natureza lhe dá automaticamente a plenitude. Ela é confiada à nossa liberdade. Somos responsáveis por nosso crescimento no amor, o que equivale a dizer que o tempo se equipara aos talentos de que fala o Evangelho e de cuja administração serão pedidas contas, no final do prazo concedido, que é mantido em segredo até que, de repente, apareça. Rosiska Darcy de Oliveira escreveu um livro sobre a 'Reengenharia do tempo', para assegurar o direito ao tempo livre. Quer que se tornem mais flexíveis os horários dos empregados. Compara o 'produto da felicidade bruto' com o 'produto interno bruto'. Falando de 'reengenharia do tempo', quer superar a racionalidade puramente econômica, tanto para reduzir os custos das empresas como para diminuir o desemprego por parte dos governos. Rosiska pretende estabelecer uma nova articulação entre o espaço pessoal e o espaço público, redistribuindo o tempo dedicado à vida privada e o tempo dedicado ao trabalho. O 'produto da felicidade bruto' é apresentado como uma crítica à sociedade que se rege exclusivamente por valores quantitativos. Acena, ao contrário, a uma nova ordem, em que a felicidade não é menos importante que a otimização do lucro. Isso significa que não são os indivíduos que se devem adaptar à cultura da empresa, mas a empresa deve reorganizar-se em função do tempo livre dos indivíduos. O objetivo primeiro da política não é o de garantir pleno emprego, mas assegurar vida plena. Numa palavra, é preciso superar a sociedade unidimensional.
A 'Reengenharia do tempo' interessa, segundo Rosiska, em primeiro lugar, às mulheres. Seu tempo livre tradicionalmente foi consagrado à reprodução e à socialização primeira das crianças. O feminismo moderno, na expressão da autora, levou as mulheres do espaço privado para o do trabalho. Apesar disso, os afazeres domésticos continuaram a cargo das mulheres. Ao voltarem para casa, enfrentam uma 'segunda jornada de trabalho'. O que angustia Rosiska é a atrofia do espaço privado, que sempre teve importância decisiva no processo civilizatório. É ali, nesse espaço, ocupado pelas mulheres, onde acontece, em cada recém-nascido, 'o milagre da transformação da natureza em cultura, a metamorfose do bebê num ser humano'. Nesse espaço privado dá-se o convívio familiar, onde as gerações se intercomunicam, de modo que os idosos ensinem aos netos o passado e aprendam com os jovens o presente. No espaço privado, que tende a desaparecer com a transferência da mulher para o espaço do trabalho, acontecem as interações afetivas, em aberto contraste com as relações no mundo do trabalho, baseado exclusivamente no valor da troca. É, pois, urgente, se não quisermos perder nossa identidade humana, baseada no amor, que tanto homens como mulheres renegociem com as empresas e a administração pública uma 'reengenharia' que garanta a todos o direito ao tempo, que possa ser consagrado às crianças, aos idosos, aos amantes, a si mesmos.
Rosiska viu esse modelo na Holanda, que instituíra uma 'sociedade de tempo parcial', e na Itália, que criou uma política do 'tempo das cidades', que concilia os tempos da vida privada, do trabalho e da cidade. Critica o equívoco francês, que tentou estabelecer o 'salário doméstico', pago às mulheres pelo trabalho realizado na esfera privada. Isso implica transpor para vida privada o critério da funcionalidade, que é próprio da esfera pública. Significa dar um golpe de misericórdia à própria vida privada e, conseqüentemente, aos valores essenciais, que a ornam, de amor, de desinteresse, gratuidade e convivência humana. Podemos, com a autora, falar de uma utopia do tempo. É preciso reconquistar os valores da vida privada e toda qualidade que contêm, reassumindo o poder sobre o tempo. Em outras palavras: não podemos nos deixar escravizar pelo tempo, como um 'chrónos' implacável e devorador, que envelhece e estraga tudo, mas como um 'kairós', que nos proporciona condição de realização no amor. E nessa perspectiva entendemos que o tempo, assim empregado, tem um peso de eternidade, na feliz expressão de S. Paulo. No aqui e agora estamos construindo nosso futuro definitivo. E com isso já o vivemos em esperança. Somos, já agora, de algum modo, nosso futuro. Basta saber aproveitar bem o tempo, o que podemos denominar como uma 'reengenharia do tempo'. Precisamos de tempo para aprender a amar, isto é, para verdadeiramente conviver.