21 agosto, 2005

D. Dadeus escreve: 51/08/05 (Correio do Povo).


A Vida na Igreja

NO HORIZONTE DA VERDADE VOZ DO PASTOR, DOM DADEUS GRINGS

Ninguém nasce sabendo. Deve aprender desde caminhar a falar, desde comer a pensar, desde morar a ler e escrever... Mas, muito mais que de técnicas, exige-se o aprendizado de conteúdos. E digamo-lo numa palavra: cada dia é preciso buscar a verdade. Sabemos que ela liberta. Evitar cairmos em enganos, em falsidades e malogros. Ou, falando positivamente, a verdade nos leva à plenitude da vida.

Trata-se de interiorizar a verdade, trazendo para dentro de si o universo inteiro e o próprio Deus. O cristão procura conhecer as verdades da fé e aprende a dar as razões de sua esperança. Progredir no conhecimento da verdade - tarefa que marca toda a vida, até o último suspiro a ponto de se dizer 'vivendo e aprendendo' - não se reduz ao acúmulo mais ou menos esporádico de verdades. É, antes de tudo, uma visão da totalidade do ser. Essa visão de conjunto, que se vai aprofundando ao longo dos anos, recebe o nome de sabedoria. O Livro da Sabedoria apresenta seu elogio, como suprema aspiração humana.

Os gregos produziram grandes sábios, que ainda hoje assombram a humanidade pela profundidade de suas instruções e descobertas. Chegaram a agraciá-los com uma escrivaninha de ouro. Quando tocou a vez a Pitágoras, sua humildade não permitiu aceitá-la. Dizia que ele não era sábio, mas apenas amigo da sabedoria - não sofós, mas apenas filos-sofós. A partir de então, ninguém mais ousou chamar-se sábio, mas apenas filósofo.

Na verdade, todo ser humano deve ser filósofo, o que equivale a dizer: amigo da sabedoria. Precisa percorrer diariamente o itinerário para ela. Sabe que ali encontrará o roteiro para viver bem e, conseqüentemente, a fonte da felicidade. Não se ama verdadeiramente o que não se conhece. Por isso não permanece fiel à fé quem não a aprofunda e esclarece.

Nascemos desprovidos de tudo, inclusive de conhecimentos. Aristóteles comparava nosso intelecto original a uma 'tábula rasa', ou uma folha em branco na qual ainda nada foi escrito. Mas é capaz de receber notícias de tudo o que existe e acontece. O triste é quando, como no racionalismo, se deu tal ênfase às idéias e ao modo de conhecer, a ponto de passar por cima da verdade em si. Desligou-se a verdade da realidade. Discutem-se idéias e opiniões e se chega ao ponto de negar a existência de uma verdade absoluta ou, pelo menos, põe-se em dúvida nossa possibilidade de chegar a ela, o que lhe equivale.

Por isso nosso esforço de conhecer a verdade não se reduz ao acúmulo de informações e de idéias, mas vai até à realidade. Procura imergir nela, entendendo-a. E, nessa busca, encontra não apenas as verdades abstratas, mas a própria razão de ser. Isso significa que descobre ali o amor, vislumbrando pelo menos algumas pegadas de sua passagem. E, enquanto não descobrir a base do amor, no fundo de cada ser, não o estará entendendo e, mais especificamente, não terá chegado ainda à razão profunda de uma existência, o que equivale a dizer que ainda não o conhece.

É sintomático que a Igreja tenha nos seus maiores sábios também seus maiores santos. Apresenta os Santos Padres como pais de nossa fé, porque souberam investigá-la profundamente e esclarecê-la, até às minúcias, para nós. Chama de doutores aqueles que uniram a fé e a vida. Mostraram concretamente que não há oposição entre fé e razão, entre dogmas revelados e verdades adquiridas. Criaram um novo ramo de conhecimentos, a teologia, como a ciência de Deus ou daquilo que o próprio Deus nos veio revelar.

A Revelação divina não se reduz a conceitos ou idéias, que nos provieram de modo misterioso. Seu centro é a aliança que Deus estabelece conosco por Jesus Cristo. Conhecer a verdade, para o cristão, é primeiramente imergir nesta aliança, ou seja, identificar-se com o próprio Cristo, caminho, verdade e vida. É essa a supereminente ciência, que nos cabe adquirir ao longo de toda a vida, até chegarmos à plenitude da participação de sua graça e verdade. Como instrumentos desse aprofundamento, temos a Palavra de Deus, a ser ouvida e acolhida; a oração que nos põe em contato com a fonte divina; e os sacramentos que infundem em nós a presença de Deus, para experimentá-la e vivenciá-la. Toda a nossa vida terrena desenrola-se no horizonte da verdade, que buscamos e aprofundamos diariamente.
FONTE: Disponível em: <http://www.correiodopovo.com.br/>. Acesso em: 21/08/05, 8:40:30.)